O que vemos em múltiplas representações pictóricas só existe enquanto tal. Cada referente perde-se na inexistência ou declina para o lado invisível das coisas. Um sistema de visão muito diferente daquele que possuímos dar-nos-ia outras informações acerca do exterior, recebidas e trabalhadas em bases com outras premissas orgânicas. Lugares paisagísticos como os que são aflorados fotograficamente nas imagens aqui recolhidas e publicadas podem iludir-nos pela introsão de meios auxiliares de expressão, mas essa mentira não é nem maior nem menor do que aquela que as próprias provas nos sugerem: uma fixidez inexistente no real, uma só direcção por cada olhar, o porte lírico da sua escolha e seu tratamento, na inflexível redução do real à memória (porventura recente) da sua presença. A mobilidade visual é por vezes concentrada na suspensão do instante ou dilatada por especiais derivas, ténicas e estéticas, das possíveis análises cada vez mais prontas nos nossos dias.
Mas nenhum conhecimento desse tipo nos rouba a necessidade da viagem poética através das coisas, pela cor que desliza entre as horas pálidas e o declíneo dourado das tardes, pelo gosto (afinal realista) do registo a preto e branco, na consulta das diversas cartografias da cidade em volta, o Tejo a estretar-se, as colinas mais despojadas visitáveis do lado das ruínas e do lado onde as portas palacianas se abriram e revelaram um interior de meia luz, sereno, guardando a suposta perenidade do que terá sido, pela arte, a verdade acreditada de certos momentos na história dos diversos habitats sempre atravessado por gente dissemelhante no traje, fantasmas cujo desejo seria o da sobrevivência para lá de todos os entardeceres. Digo plavras assim, letras falantes, na exacta medida de que o universo destas humildes fotografias repintadas ou reimaginadas são apenas o cenário perdido de uma certa grandeza palaciana. O amarelo voltará à cor da cantaria, o negativo ao positivo, mas nenhuma dessas reiniciações ao limite canónico terá poderes para fazer existir o que não vejo, ruínas presentes e aparentes, os pássaros alcandorados nos ramos, piando de quando em quando, a Primavera substituindo o Inverno ou confundindo-se com ele, coisas velhas, restauros, o rosto do lugar desenhado a esfuminho ou gravado em alto contraste. Por dentro desta breve reflexão, olhando pedras manipuladas por exímios canteiros ou lascadas milhares de anos antes, de que forma poderemos reencontrar o tempo real em que nem sequer havia um processo humano?
2 comentários:
Alimentamos a nossa imaginação, sonhamos e vemos o que nos é a nossa própria essência.
Belíssima edição... sequência tão bem feita e tão bem acompanhada de uma explicação que nos é uma grande lição de observação mais profunda da "coisa" e do sentir o inexplicável.
Gostei muito deste post, tio meu
É um dos que irei ler mais do que uma vez.
Um beijinho grande
Até logo...
Daniela
O registo a preto e branco não é realista, é apenas um gosto (de saudade?)... nada é só a preto e branco.
Gosto das fotografias, mais das «palavras falantes».
Reencontrar o tempo?
Sem resposta.
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