dentro de mim, morro de forma rara
segunda-feira, junho 28, 2010
PELA MANHÃ DO MEU INQUIETO ACONTECER
dentro de mim, morro de forma rara
quarta-feira, junho 23, 2010
AS LETRAS E AS ARTES, PRÁTICA E EDIÇÃO
Esta espécie de ilustração foi trabalhada em pintura, fotografia digital, colagem e fecho. Irá recobrir uma boa parte da capa de um livro. Trata-se de uma edição de Maria João Duarte, a partir da sua tese de doutoramento. Este livro será apresentado como qualquer outro, mas não deixa de apresentar conteúdos ainda hoje bem pertinentes: a oposição à ditadura, em Silves e no Algarve todo. O núcleo físico onde «decorre a acção» é a cidade de Silves, muito traumatizada pela PIDE e em face (nos anos 50/60) dos núcleos políticos emergentes na indústria da cortiça, ali onde se concentrava o maior centro produtivo do mundo, na transformação e exportação. Fui testemunho desse esplendor e dessas tensões, quando o governo passou a exportar a cortiça em prancha, logo que tirada das árvores, ofercendo ao estrangeiro uma riqueza em bruto para manejo bem lucrativo. Os donos das terras de sobreiro enriqueceram ainda mais, os trabalhadores ficaram mais ou menos ao Deus dará.
O livro chama-se «Silves e o Algarve, uma história da oposição à ditadura». Esta imagem, partindo de muitos dados visuais de Silves, nos seus diferentes aspectos, multiplicados e reassociados, entrecruzando-se numa atmosfera de quase ruína, tarde vazia, gente recolhida, monumentalidade de restos das fábrica -- e, sobre tudo isso, contra o céu, uma insólita visão que absorve a metáfora sobre o lado monstruoso e vigilante de algo que nos amordaçava, prendia, e por vezes fazia desaparecer. Hoje o sonho é claro, e as ruas não têm este clima terroso dos anos 50. A autarquia tem dotado a cidade de uma panóplia de bens e serviços aceitáveis. A memória dos patrimónios antigos convive com a arquitectura da zona histórica e da baixa em termos urbanos e lúdicos, junto ao rio. Obviamente, já não há as grandes fábricas de cortiça, nem os 6.000 trabalhadores daquele tempo, nem sequer a Câmara pôde segurar o excelente museu da indústria cortiçeira, obra museológica de importante sentido divulgador e pedagógico, premiada internacionalmente. Esta cidade, aliás, padece de coisas ainda sinistras: reconstruiu um teatro dos anos 20, há cerca de um ano fechado; adaptou uma edificação de marcas arabizantes como Institudo Superior de Estudos Árabes: faz algumas exposições e está às moscas, apesar da sua beleza e do seu aprazimento. As modificações da margem do rio Arade funcionam, como as psicinas e as instalações para feiras industriais, comercias, ou da agricultura. Ninguém pode imaginar verdadeiramente a que degradação chegou esta importante cidade da memória árabe e do sorriso que conquistou, entre omissões, nestes últimos anos.
quarta-feira, junho 16, 2010
AS IMAGENS QUE MORAM NO CAMINHO DA FÉ
terça-feira, maio 11, 2010
O PAPA BENTO XVI E OS MENINOS LADINOS
terça-feira, abril 06, 2010
A CONDENAÇÃO DO PASTOR PELO REBANHO
ovelhas são mais o símbolo da comunidade e da sobrevivência do
que gente empurrada para castigos sem explicão.
segunda-feira, março 08, 2010
ATRÁS DO FUMO, UM RETRATO SEM ESPELHO
texto e fotos de Rocha de Sousa, autor do blog
terça-feira, fevereiro 16, 2010
IMPOSITIVA IDENTIDADE DO FAZER PICTÓRICO
Tomei agora conhecimento de uma série de cartas (textos de criação literária) que são actuais e de origem judaica. Imaginemos a edição de um livro cujos capítulos correspondem à urgência do homem se entender, de forma enfim consistente, com as divindades dos diversos polos religosos. Um dos capítulos integra uma carta dirigida por alguém sem identidade e que se dirige a Deus, com endereço em Jerusalém. Os outros capítulos são igalmente dirigidos a divindades de religiões activas e vastas na actualidade. Cada carta, dirigindo-se à divindade, abre-se a uma relação clara, explica-se com humildade e grandeza, mostrando-se depositária de importantes estruturas formais, supremas no seu valor literário. O texto, ou fala, ou prece, percorre o sentido da condição humana interligada ao perfil, poder e natureza da divindade. O humano que escreve mostra-se inquieto com o mundo em que vive, com a origem desse mundo e dele mesmo, ser falante, tendo por certos os propósitos superiores, inimagináveis, que terão sido encarados pela divindade como suportes da Sua obra, todo o Universo, as suas imagens e seres, os seus movimentos e massas animadas por milhares de forças, começando pelas gravitacionais, implicitamente aquelas que surgiram da enorme energia libertada no espaço, entre biliões de partículas, em choque e multiplicação, até às imensas concentrações de astros (explícitos) e outros corpos (invisíveis ou implícitos) cuja trajectória e formação de vida se encontram por toda uma infinidade de dimensões, sempre a fazer-se, a desdobrar-se, povoando-se de realidades biológicas, como a humana, nas quais a consciência se partilha com a razão, as emoções, a inteligência e a memória, sem limites palpáveis. Quem escreve vai colocando questões sobre a marcha da humanidade, dos seus ramos e crenças, em vastas manchas civilizacionais cuja história se afirma marcada por acontecimentos extraordinários, por obras eternizáveis, por tratados sobre a vida e a morte, entre guerras de difícil relato, ou genocídios, ou crimes e abatimentos os mais diversos. Quanto mais a carta se humaniza (objectiva) e trata do lugar dos homens e do seu apagamento depois da morte, cada texto torna-se comovente, como que feito de folhas meio secas que sobram pelo chão, imagem de qualidades iventadas pelo ser humano, talvez em partilha inominável com os poderes igualmente indizíveis de alguma consciência inserida no próprio universo. A utilidade disso inquieta as frases, a passagem e o vazio também, os cemitérios e grandes monumentos necrológicos relevando de todas as solidões no mundo, gente que migra, sobrevive, consolida família logo destinada à perda, ausências de sempre, presenças mitigadas e absurdas. Que farão os outros, amanhã, que destinos estão prometidos e são verdadeiros, para que servem, enfim, as partículas invisíveis em que se transformará, na morte local, o Sol, a Terra, o simples rosto desfocado de uma criança atravessada pela tempestade?
Quando passava na ponte sobre o rio, Senhor, toda a margem que os meus pés pisaram estava juncada de mortos, uma inteira paisagem de cadáveres, gente de todas as origens e raças, incluindo militares e sacerdotes, fragmentos de fragmentos, rios de sangue enchendo algumas clareiras ensombradas. Este braço que vem junto das minhas coisas parece ter pertencido a algum irmão do Norte de África, só é observável do ombro ao pulso, visto que a mão lhe foi decepada. Não sei se é devido e se o meu pensamento tem préstimo para quem me ouça, mas recomendei ao Senhor a minha prece de compaixão por este homem infinitamente sem nome nem corpo.
segunda-feira, fevereiro 01, 2010
OS SINAIS DE DEUS NO DESERTO ALENTEJANO
acompanhar de um talento
indesmentível,
sabendo como representar
o que vê.
de gente cujo património fica
assim reduzido a estranhos
sinais de perda, abandono,
sinais de um destino sem sentido.
numa aldeia em ruinas na serra do Algarve.
Desta vez, Tiago, que vive e trabalha na África do Sul,
meteu-se por veredas alentejanos, numa das suas partes
mais desérticas e abandonadas, tendo encontrado esta casa
arruinada. Tema de que logo se apropriou como se o mundo
tivesse acabado.
e os testemunhos de uma vida, um lugar apropriado
para procurar os obscuros sinais de Deus.
Perguntei-lhe se rinha encontrado alguma manifestação assim.
E ele disse: eu não, mas estude as fotografias,
pode ser que não seja em vão.
E não foi, de facto, em vão.
Porque os sinais do homem
superam os esquecimentos habituais
nestes casos.
quarta-feira, dezembro 23, 2009
PINTURA ARRANCADA AOS LIXOS URBANOS
Voltemos transitoriamente à pintura, aquela que se faz com matrizes digitais e se transforma, por diferentes meios directos e indirectos, em obra plástica mista sobre papel. As configurações podem não ter relevo estético muito apelativo e obrigar a leituras decifrantes, intermitentes, sem verdadeiro feed back. É um risco de todos os processos de comunicação pela imagem, mas é também uma conquista no campo expressivo, pluralmente liderada, segundo uma infinidade de projectos, de despojamentos, de apagamentos e recomeços. No meu entendimento, todo o ruído do experimentalismo ao longo do século XX, deixou marcas, sequelas, suicídios consumados. Nenhuma batalha se faz sem feridos ou mortos. Por este caminho demoradamente em catarse, os gritos e os silêncios haveriam de deixar impressivos efeitos sobre a evolução dos modos de formar ou os segredos dos grandes mestres da Renascença, para não citar outros, de outros tempos, de civilizações mais recuadas. A arte foi submetida, pela vontade sensível e pelos fenómenos do registo mecânico, a uma reflexão sobre a sua verdadeira natureza, possível autonomia, se estava ou não largamente infectada pelas indumentárias, riquezas de habitat, projecção de ornamentos, efabulações do ver e do delírio. Pelas conclusões das análises intensas e radicais, depressa se argumentaram os caminhos da simplificação, despojamento, limpeza do acessório. O princípio parecia legítimo. Mas não absoluto. E, com efeito, mal se chegou ao minimalismo da linha solitária sobre a tela ou do corte desesperado, num só golpe, ao centro da própria tela, acto liminar de Fontana, logo a moda subverteu o modo. Mas o homem não é simples, nem por fora nem por dentro.
terça-feira, dezembro 15, 2009
TRANSPARÊNCIAS DE UM AMOR SEM NOME

Era ele, num dia sombrio mas sem chuva. Chegara pelas oito horas e ficara, como sempre, a descansar um pouco, dormitando sobre o volante do carro, já estacionado muito perto da oficina. Por volta das nove horas, quando era mais provável entrarem os primeiros mecânicos, dois deles estranharam a oficina ainda não estar aberta. Trocaram impressões sobre o facto, e um dos rapazes achou que o Frederico estava atrasado, nada mais, por isso deviam abrir a oficina e retomar a rotina. Um hora mais tarde, o Frederico não aparcera. De casa, para onde telefonaram, a mulher confirmou que o marido saira como habitualmente, cerca de vinte minutos antes das oito. Os homens entreolharam-se, foram até à porta, e poucos instantes depois descobriram o carro, quase à esquina, reparando que o Frederico estava aconchegado ao volante, como fazia habitualmente, para descansar um pouco antes de fazer a abertura. Foram lá, bateram no vidro, para acordar o patrão, mas ele continuou na mesma posição. Abanaram o carro, uma, duas, mais vezes e já atormentados. Nessa última tentativa, o corpo do senhor Frederico escorregou para a esquerda e eles viram e sentiram claramente como a cabeça do patrão e amigo tombara para a esquerda, batendo no vidro. Não estava a dormir. Foram buscar a chave de reserva e abriram a viatura, procurando agarrar logo o corpo do amigo, corpo lasso, rosto pálido e frio, corpo logo nas mãos dos homens e um grito para telefonarem para o 112. Estava morto e os meios de apoio à vida limitaram-se a confirmar esse facto e a guardarem o corpo numa lona apropriada. O que mais espantou a rapaziada e os vizinhos foi a decisão dos serviços de auxílio abandonarem o corpo ali, dizendo que não devia ser removido por ninguém antes da chegada do delegado de saúde. Por ali se conversou, lembranças comovidas de um homem ainda novo, honesto, trabalhador, que geria a oficina como uma cooperativa bem fraternal. Grande conheceor das mecânicas de vários tipos de carro, os seus diagnósticos eram infalíveis.
terça-feira, novembro 24, 2009
FEIRAS DE ARTE E BRINQUEDOS NÓMADOS
Ontem fiz referência a um texto de Hugo Canoilas sobre a exposição «Atravessando Fronteiras», dedicada aos anos setenta e promovida pelo Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian. Hoje, ainda perante um outro texto do mesmo autor («Vem aí a Feira») passo para este espaço, acompanhado de imagens de vários feirantes que registei num grande evento no Algarve. Vou assim citar amplamente Hugo Canoilas, a bem de uma importante causa que envolve a arte actual portuguesa e a submete de forma tosca a mimetismos de olhos desvairados vindos da Alemanha ou de Espanha, visitantes de consumadas feiras de arte, a primeira das quais sucedeu em 1970, Colónia, vítima de grande contestação por artistas como Wostell ou Joseph Beuys. Segundo o articulista aqui evocado, aqueles e outros autores sentiam que a «feira» era um caso de «constrangimento criativo e de práticas de exclusão injustas». Tal sentimento parecia, diziam eles, «trazido por esta moda», apesar dessa espécie de bolsa das artes revelar a abertura de maior número de galerias na Alemanha. Apesar dos «poços de ar» verificados noutras circunstâncias, esta febre afinal mercantilista fez alargar imenso o número de galerias entre os anos 60 e os meados dos anos 70: apenas 400 espaços, grande variedade de produtos como é próprio de qualquer feira que se preze. Haverá nesta realidade um factor socializante em termos de distribuição, o que, na altura, se ligava a algumas propostas mais conservadoras e, naturalmente, a um grande aumento dos valores de mercado. Hugo Canoilas acentua, a propósito da natureza de certas tipologias de algumas vertentes artísticas, o curioso facto de autores como Blinky Palermo e Gerhard Richter «serem absolutamente pró mercado em reacção às práticas conceptuais vigentes (quando a arte conceptual era no início não mercantilizável)». Vivia-se entretanto a ideia envolvente (que alguém espreitava da margem da história) de que estes eventos talvez permitissem manusear trabalhos, negociar com com artistas e marchands, tendo em conta igualmente a conhecida sensibilidade dos clientes e o seu modo de comprar. Agitando produtos e lugares, ainda se pensou que a feira poderia alcançar um importante significado para os homens do ofício (artistas e vendedores a retalho). Perante a actual Feira de Lisboa, Hugo pergunta-se com pertinência: Será que, em Portugal, ainda não se aperceberam que este modelo de feira é um «nado morto»? É, com efeito, problemático este alinhamento (pobre) por exemplos exteriores que já mudaram de figurino, apelando à inscrição da cultura e contra a menoridade dos objectos. Se as galerias investem muito dinheiro na apresentação da feira, o certo é que o nível da visibilidade alcançada não escapa ao ruído envolvente, aos equívocos de bem parecer, à cedência ao público arreigado e aos imperativos dos habituais ou duros coleccionadores. De resto, procurando estratégias «adequadas» para este tipo de acontecimento, ao certo quase nada interdisciplinar, os galeristas ensombram a desejada «celebração da arte contemporânea», o que deveria convocar ambientes festivos, o gosto pelo debate sobre o papel da arte no mundo de hoje, inclusivé envolvendo todos os agentes (artistas, galeristas, coleccionadores e público) numa frutuosa troca de ideias, entre saudáveis polémicas e possíveis consensos. Com leituras também, a relação do livro, da sua linguagem perante outras de suportes e factores integrantes diferentes. E como o verdadeiro cinema faz falta nestes casos, mesmo que para tanto as barracas tivessem que fechar os varandins, deixando ao relento os dados físicos de algum marketing..Hugo Canoilas diz ter verificado que a feira de Amsterdão, ao comemorar os seus 25 anos, solicitou a todas as galerias a apresentação de exposições individuais, facto que aconteceu e conferiu um novo interesse às acções correntes. «Foi de facto - diz ele - uma das melhores feiras que vi»; em experiências assim ganha a vontade de participar e os termos de legibilidade. Há outros exemplos de outras soluções, como em Viena e o convite a autores de Leste cuja produção, espectro de dados inovadores, grangeou um entusiástico interesse do público. Viena vai mais longe, convida curadores de prestígio, uma classe que parece seguir o antigo caminho da crítica - o de se substituir aos próprios artistas, gerindo mediatizações e deploráveis ostracismos. Um dia, estou certo disso, este poder institucional, protegido nas respectivas instâncias, terá de ser melhor enquadrado e trabalhar com outro espírito. A arte, esquiva a dogmas e decisões absolutistas, ela sim, ela é que faz a sua verdadeira história.
Cito de novo, ao correr das palavras, um trecho de Hugo Canoilas (e ele que me perdoe trazer para aqui vários inserts da minha visão deste assunto, melhor: deste tema por debater: «Existe também um divórcio entre as instituições portuguesas e a feira. O que torna tudo mais amador e de menor qualidade.» As galerias e aquelas entidades acolhem entre si as incertezas e a responsabilidade pela débil proliferação da arte portuguesa na sociedade. «Não se compram espaços nas revistas, patrocinando mas também divulgando actividades e transformações neste domínio. Não existe aliás qualquer tipo de estratégia para colocar definitivamente os termos Arte Conteporânea na própria língua portuguesa, como tem acontecido com o Design e a Moda. A arte praticamente não chega à televisão; ou, quando chega, aparece mediada. Chega sempre em segunda mão.» A verdade, digo eu, é que a lógica mercantil das televisões atingiu proporções verdadeiramente absurdas, acentuadas, aliás, pela manipulação do público através de formas de espectáculo indescritíveis, todos os canais vestidos de igual à mesma hora. De quando em quando, anos talvez, lá vem uma espécie de «curador» curar de um artista já assado e condimentado. Excepções só no erudito «Câmara Clara» (bem longo) e no «debate» futebolístico (bem mais longo). Há quem diga que é melhor assim, pois uma acção em terreno movediço sai fora dos padrões de audiêncicai e vai cair nos mesmos, sem risco nem contraditório. E no entanto era perfeitamente exeqível (competitivo, como dizem) um programa sobre várias artes, cada bloco de 50 minutos proposto por um agente cultural de interesse reconhecido por uma comissão prévia. Augusto França pode seguir-se a Leonel Moura, Paula Rego tratada por Rui Mário Gonçalves, Nuno Portas dissecando a obra em geral de Siza Vieira. Nada disto tinha de ser curado por curadores. Temos muita gente bem apetrechada para dirigir e orientar projectos assim. Vai sendo tempo de pensar a alma do país e a moodernidade que nele se gerou para além das chamadas «imagens convenientes». Os artistas que ganham o primeiro galão (mesmo só como alferes) tendem a ligar-se a diferentes tutores, tribos, lobbies, garantindo a sua colher de sucesso nacional e internacional. As encomendas que venham, eles não as procuram. Por isso abominam associar-se, criar organismos representativos deles: isso dá trabalho e obriga a compromissos rapidamente queimáveis pela inveja latente no burgo. Talvez por isso é que eu fui obrigado a ouvir o membro de um governo provisório, quando se instituía a Faculdade de Belas Artes da U.L., que a nossa pretensão era fútil e sem fundamento: «o país não precisa de artistas», disse o homem, um pé institucional sobre a onteria do 25 de Abril.
Na feira que visitei, colocando-a ao lado de de Lisboa, os brinquedos de madeira fecham uma sala. E não posso deixar de me lembrar que um artista português usou, nos anos 70, este brinquedo do pássaro com rodas e cabo em grande quantidade de uma amável e repousante instalação.
os velhos brinquedos de uma geração ainda não perdida
terça-feira, novembro 10, 2009
TRANSPARÊNCIA E UM RELÓGIO DE HORAS

Água verde mas límpida.
Translúcido espelho amarrado
ao muro de pedra já ferida.
Velho espelho em casa da avó,
tão velho como o relógio centenário
preso à parede, rachado e só,
sempre a bater as horas
sobre um obtuso relicário
no qual se eflectia
o arrastado ranger da corda,
essa espécie de coração
cujo rumor de concavidade
se faz sentir no quarto exíguo
pelo frio de pedra
ou pelo circular rigor do tempo
sábado, outubro 31, 2009
PRESENÇA E APARÊNCIA NA FORMA DO VISÍVEL
pintura | técnica híbrida | rocha de sousa
terça-feira, outubro 27, 2009
A DEVASTAÇÃO DO IMOBILIÁRIO QUALIFICADO
Em cima, a desertificação começou pelo uso que o filho mais velho da família destroçada foi dando aos quartos, sala e saletas, um quintal que nunca vi, com ramagens de aguarela. O ataque continuava, nenhuma classificação fora conseguida, ou critério de bem público (que o era) e muito menos quando a avó das águas furtadas morreu, dias no quarto, depois um funeral esquisito, acompanhado por gente jovem, mal vestida, duas moças magras, crianças recentes, de olhares já indiferentes e breves.
Tudo pronto: os homens dos papéis e da ganância lá conseguiram a licença de demolição. Nem uma meia dúzia de azulejos, para amostra, sobrou da insanidade vandalizante. Deitar abaixo é uma coisa. Arrasar a arte e a nobreza dos adereços é outra. Ninguém veio ao funeral da amável moradia que conheci durante quarenta anos. Vim eu, olhando da minha própria janela.
As duas imagens seguintes, muito belas à sua maneira, corresponem ao fundo da casa, já esburacado até às traseiras da garagem da outra rua. Oiço as miúdas de antigamente e lembro-me do senhor de cabelos brancos e olhos claros mas avermelhados. A menina mais nova, magríssima, a comer um gelado. E o gato. E aquela moça angular, de camisola sem mangas, que aparecia na janelinha direita, assente no telhado. Costumava passar discos dos Ping Floy e cuidava de um cato arrumado no canto do pequeno varandim.
Nunca mais recebi sinais dali, da menina e do rapaz, da mãe dele que acabara por casar com um engenheiro civil, longe daqui. Mas quem sabe da folha de serviços do engenheiro?
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