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terça-feira, agosto 21, 2007

FECHADOS OU FALSAMENTE ABERTOS, OS CAMINHOS DE HOJE


Não tenho meios para aceder aos melhores patamares do conhecimento do mundo. Quando procuro ultrapassar mais um obstáculo, embora a morte me espreite a qualquer esquina do tempo, encontro frequentemente portas fechadas e janelas falsamente abertas, estilhaçadas como naquele andar, ali, que me torna o olhar enviesado. De resto, os nossos passos são cada vez mais assim e os jovens usam aleatoriamente, sem projecto, a versatilidade deles. Não é fácil digerir entretanto a derrocada dessa liberdade mal usada e a imensa perda de valores que vão sendo engolidos pelo caos em redor, substituídos por outros claramente redutores, numa paisagem turvada pelas matérias venenosas do progresso. Muitos de nós recorrem a alguns talentos que os tocou desde cedo e procuram no caminho das artes a porta da salvação. A proliferação, no século XX, deste tipo de operadores explodiu como a teoria do Universo, desconstruindo as partículas iniciais e multiplicando até ao infinito outras junções, formas e aparências. Inventaram mais portas do que as encomendadas durante a Renascença, oração do poder em nome da sua fortuna. Desde esse tempo, parecendo que não, já se pensava a arte na procura de certas originalidades, mas cada vez mais na consciência de que ela não servia para ornamento do mundo. Deste lado do fazer, havia um longo processo e aprendizagens, o florescimento da habilidade manual, milagrosa, embora os esplendorosos resultados das obras daí resultantes vivessem afinal pressupostos espirituais insustentáveis: a fragmentação dos géneros, no século XX, desfez os escondimentos da ciência, instaurando a ideia de projecto e a própria ideologia que serviram para nos informar obliquamente de todas as nossas urgências.
Os caminhos de hoje, embora gerem uma cultura vastíssima (redutora, em paradoxo) produzen entrechoques das formas, dos trajectos, e são praticamente alheios ao modo como se exerce sobre os povos a sufocação, o medo, entre a miséria extrema e crianças abandonadas na berma da estrada. Em cada primeira cidade que encontramos, a guerra alastra como uma impensável epidemia, à qual se juntam as espicaçadas forças da Natureza, fúria cósmica. Por momentos, diante das portas fechadas, velhas e feridas pelo fogo mas fechadas, surge a anunciação de certas janelas abertas, vandalizadas, como que espelhando os céus azuis, aceno de primaveras afinal duvidosas, após a deslocação das populações para lugares de ilusória salvação. Aqui, ao ver uma dessas janelas escancarada no primeiro andar de um prédio arruinado, ocorreu-me a ideia da escalada até ela, logo negada pela falta de meios, e de resto, pela realidade dos fragmentos, quem chegar à balaustrada da abertura, procurando sofregamente o significado pacificante do céu azul, logo cairá, sem dúvida, no interior do edifício, esfacelando-se nos seus incontáveis destroços.
Lembrando melancolicamente a denúncia da brutalidade sobre Guernica, sinto-me abandonado de mim mesmo: e compreendo que há em nós, desde sempre, uma natureza hedionda, com breves instantes de contentamento, e vejo o que faz arder a Palestina, a morte e o exílio na Thechenia, os massacres do Uganda, entre dezenas de outras feridas assim, na possível infecção sem retorno, além dos mitos da tal esperança que é, na culminante mentira, a última a morrer.

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