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sexta-feira, agosto 31, 2007

UM RIO REVISITADO AO ENTARDECER



fotos de rocha de sousa
Revisito de novo, após centenas e centenas de olhares outrora, o rio onde a minha infância se tornou razão, idade da razão, e a água era por vezes excessiva, transbordando as margens, mergulhando a baixa da cidade num lago lodoso, trágico para os comerciantes, mas fascinante para quem, salvo desse desconforto, fazia barcos de papel e depunha-os na corrente vagarosa, lá iam eles, aos pares, por vezes em bandos como aves navegantes. Agora, e só na maré cheia, as águas atingem o ponto exacto na paisagem, suspendem a passagemsegundo a ordem da Natureza, ficando assim, levemente arrepiadas pela brisa, espelhando as margens, os arcos da ponte, o verde as ávores, o azul do céu. Olhando para estas imagens e reordenando as memórias de há muitos anos, sobravam milhares de temas, águas subindo e descendo numa ordem de 24 horas, eu e outros amigos do Hermenegildo trepando para o barco dele, razoavelmente grande, de respeito, com uma pequena casinha à proa. Tinha quatro remos e a nossa alegria salvadora era o treino de outros tantos meninos treinando a acção de remar, remar sobretudo em sincronia e bem, porque do leme tratava o Hermenegildo. No termo da viagem, navegação ponderada por nós, ali ficávamos fluando, a mergulhar, por vezes munidos de armadilhas para apanhar enormes caranguejos que havia em quantidade no fundo. Difícil era trazê-los, como despojo da aventura, e por isso devolviamos ecologicamente as criaturas ao rio. Ali mesmo, junto da ilha da Nossa Senhora do Rosário. Há poucas coisas tão inúteis e tão belas quanto esta forma de brincar.

6 comentários:

M. disse...

Cheguei aqui pela mão da Jawaa e adorei o que vi e li. Voltarei amiúde.

Miguel Baganha disse...

Gostei de ver o rio onde flutuam as memórias dum tempo que ainda corre bem fresco na sua alma, João.
As fotografias são encantadoras-líricas...e o lirismo daí emergente espelha uma vida cheia, preenchida por momentos ricos em emoções.

Foi bom senti-lo assim...nostálgico e feliz.

Abraço em tioRocha e Beijos em tiadoceMami...saudades,

Miguel

jawaa disse...

«Há poucas coisas tão inúteis e tão belas quanto esta forma de brincar.»

Nunca é inútil brincar... foi ali que construiu a sua capacidade de captar as imagens sentidas (escritas e fotografadas)que hoje lhe preenchem as alegrias do "entardecer".

naturalissima disse...

Agradou-me muito ver estas belas fotografias e viajar nas asas de sua memória, outrora vivida por si com felicidade. São destas coisas que nos alimentamos para viver.

Sinto-me bem aqui...

um beijinho
sobrinhadaniela

Eremit@ disse...

na cidade onde nasci não havia rios destes. Mas havia todos os que a imaginação inventava e neles muitos barcos de pepel lancei às torrentes das águas da chuva e cada tumultuoso rio podia ser o Amazonas, o Mississipi, o Tejo, o Guadiana... e nos barcos ia a tripulação à dessoberta de novos mundos e aventuras.
Fraterno abraço

Eremit@ disse...

desculpe a gralha: descoberta